Tem livro que a gente lê como quem dança bêbado: tropeçando nas páginas, tropeçando em si, mas sem nunca deixar a banda parar. A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Jules Verne, é um desses. Um romance que começa como aposta e termina como abismo. Que começa como mapa e termina como espelho.
Phileas Fogg, o homem-pontualidade, seco como um relógio inglês sem poesia, resolve dar a volta ao mundo como quem pega um Uber pra fugir de si.
Não é uma busca de novos horizontes, é precisão.
Não é desejo, é cálculo.
Só que no meio do caminho tem barco furado, elefante cansado, trem descarrilado e uma saudade que ele ainda não sabe que tem. O mundo inteiro entrando pelas janelas dos vagões, pelas calçadas dos portos, pelas pernas de Passepartout – o criado maluco que parece saído de um circo ambulante.
O que Verne escreveu em 1873 não foi só aventura. Foi um tapa na cara da pressa colonial, da soberba acanalhada da Europa. Foi um aviso disfarçado de enredo: o tempo do Império Britânico não cabe no coração humano. E por mais que Fogg tente domar o mundo com os ponteiros do relógio, o mundo devolve com tufão, com amor e a falta dele também.
Esse livro é um um carrossel de locomotivas, uma novela em capítulos de fuso horário. Você lê sorrindo, depois correndo, depois segurando o fôlego, depois quase chorando. Porque no fim das contas, todo leitor também quer saber: será que dá tempo?
Como costumo dizer para os Tuaregs no meio da aula de Velocidade do Obturador: “não vai dar tempo, bicho. Sinto muito, mas não vai dar tempo”.
Leia Verne não como quem estuda, mas como quem embarca. Feche o zíper da mochila, bote uma muda de roupa, uma garrafa d’água, e vá. Porque enquanto tiver um livro desses no mundo, ainda vai existir partida. E quem sabe — só quem se atreve — também encontra o jeito mais bonito bonito de voltar.
Boa leitura.