O Sol do Recife bate no toldo azul de Pedro da Verdura (onde semanalmente compro as frutas dos passarinhos aqui do quintal), derretendo suas cores como se fosse um sorvete que vai se desmanchando lentamente diante de nossos olhos. A sombra engole famintamente a entrada da lojinha, enquanto uma firme senhora permanece ali na frente. Íntegra, sólida, intacta como um farol que atravessou a experiência sobre o tecido turbulento do tempo. O tempo, que por aqui corre agalopado, parece ter feito um pacto com o farol: “não passarei sem sua venha”.
Bia Didier, como quem tem peito de remador, deambulava com velas esticadas que nem Saveiro que desfila elegantemente pelo Atlântico. Navegava no miolo da andança pelo centro da cidade, que cheira à maresia de beira de maré, caju maduro e a zoada aguda de buzina. E nessa esculhambação hermética que só o centro tem, ela avistou o rasgão de Luz vindo dessa entidade obeliscada.
Uma foto que eu gostaria de ter feito.
O mercadinho, a senhora, as sombra dura e cruelmente linda. Num gesto rápido, como quem abre uma frestas no tempo, Bia levantou a câmera e fez sua magia. Alumiou um instante fugaz da cidade rios.
E que foto, camaradinhas! A textura da calçada que já foi apoio para tantos tempos bêbados, as vulgares galés de frutas empilhadas como um mosaico poético-tropical, as garrafas d’água azuis que como baús, guarda o tesouro necessário para quando o Recife resolver ferver de vez. E na apoteose de tudo isso, a senhora afarolada.
Pequena, mas imensa. Olhar fixo inundado por sombras, uma delicada tiara cuidadosamente posicionada na intenção de sustentar os finos cabelos, camiseta, jeans e sapatos pretos. Estática, corpo em posição frontal enquanto seu rosto inclina elegantemente para a postura de 7/8. Suas mãos. Além da inclinação da cabeça, é esse ponto que me arrebata. Mãos nodosas que me fazem crer que já carregaram sacolas de tempo.
Por que ela encara Bia, essa navegante de ruas?
Talvez tenha achado graça na menina bonita, pequenina, de sorriso largo e inseparáveis tênis azuis. Talvez ela tenha sido hipnotizada de máquina fotográfica de Bia. Talvez ela tenha se perguntado se virou personagem de um poema de alguma figura interessante de Recife.Virou, sim! Porque fotografia não é roubar instantes, é alquimificar estados luminosos e sombrios para o estado poemificado.
Na foto de Bia, essa cena virou rima, documento, uma pequena cuia que pode se juntar a outras cumbucas para manter uma memória de um Recife que não se esconde nas fachadas de vidros espelhados que tentam arranhar o céu que foi o chapéu para Cícero Dias. Tem algo de Vivian Maier aqui? Ela que flanava pelas cidades buscando poesia no cotidiano.
No fim, essa foto é Recife puro: bonitofeio, bomruim, doceamargo, queronãoquero, melhorpior… O sol queimando tudo, o centro como coração pulsante, e uma senhora que virou fotografia de um momento simples, mas perfeito. Quem tem bom olho não apenas vê – entendo o estado da poesia.
Bia é Tuareg, mas é muito mais que isso!
tudo bonito nesta postagem
Que lindeza ❤️